por Daniel Oliveira
“Os cravos nas lapelas de Aguiar-Branco e Passos Coelho provam apenas que a direita portuguesa precisou de 36 anos para se libertar da sua relação complexada com a ditadura e fazer as pazes com a revolução. Não foi a esquerda que tomou aquele símbolo como seu, foi a direita que o renegou durante anos. O que não espanta, não tivesse sido o PSD (muito mais do que o CDS) a casa de acolhimento dos quadros locais e intermédios do Estado Novo que procuraram protecção debaixo da asa dos homens da Ala Liberal. Quem se lembra da vitória da Aliança Democrática, no final dos anos 70, lembra-se de como nas bases da AD surgia com tanta facilidade um tom saudosista e revanchista.
Mais recentemente, foi a intelectualidade de direita (e sobretudo os seus novíssimos historiadores) que andou a tentar convencer o portugueses que a coisa até ia bem lançada para chegarmos à democracia de forma “civilizada” e sem baderna na rua.
Em vez de se encaixar no sentimento popular em relação à data a direita passou mais de trinta anos a tentar reescrever a história. Nunca percebeu que, ao mostrar, sobretudo por ressentimento social, tanto incómodo com uma data que a esmagadora maioria dos portugueses lembra com alegria, se condenava a representar um país decadente e anacrónico.
Por ser tão tardio (e ainda não chegou ao Presidente da República), o gesto simbólico e concertado dos dirigentes do PSD denuncia o problema de identidade em que o partido viveu até hoje. Por ter acontecido mostra inteligência táctica da nova direcção: o cravo na lapela torna o 25 de Abril numa comemoração consensual e retira-lhe a carga ideológica que realmente tem. Faz o corte com o passado. 36 anos depois, o PSD pôs o ressentimento na gaveta.
Não por acaso, fá-lo no momento em que pede mais uma revisão constitucional (a citação de Lenine, por ser apenas provocadora, tirou força ao gesto). Ou seja, assume-se o símbolo para o colocar na prateleira da história e retirar-lhe força política. Assume-se o cravo para se poder renegar definitivamente a herança ideológica da revolução, fazendo passar a ideia de que as suas propostas representam o futuro e não um ajuste de contas com o passado.
Extraordinário que não tenham percebido há mais tempo que esta era a táctica mais inteligente. Durante anos ofereceram à esquerda o imaginário da esperança, da festa e da liberdade. Coisa que, com a história da direita portuguesa, foi mais do que justa. Mas facilitaram tanto…”
Retirado Expresso Online.
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