Hipoglicemia - Fogo!

O silêncio reinava na camarata, lá fora o vento amainava e tudo componha-se para que, no aconchego do beliche, conseguisse-mos passar alguns minutos de descanso, eis que sentimos o telefone a tocar.
Sim?! - disse o Custody.

Aonde?! – conclui e desligou o telefone num gesto que acordou o resto dos elementos. FOGO! – gritou ele.

Aonde?!
Acende a luz! – foi a ultima coisa que ouvi antes de correr para apanhar o casaco e o capacete, a caminho da viatura. O Joseph e o Peter, mais rápidos, saíram com o Pronto Socorro Ligeiro. Saltei então para o ATP-4, a mítica viatura – 280 Cavalos de potência, 8.000 litros de água e muitos sustos durante a já longa existência.

Com o Custody ao volante e o T- Bone ao meu lado, íamos tranquilamente trocando impressões e conselhos ao mesmo tempo que vestindo o resto do equipamento de protecção individual. Os pouco Kms que separam o Quartel do local do incêndio fizeram com que a viagem não demorasse mais do que 4 minutos.

Saltamos da viatura e deparamos com um cenário nada animador. Uma moradia nova, portas e janelas de alumínio e vidro duplo, um autentico forno.

Custody, pela esquerda, dirigiu-se para bomba. Eu o T- Bone pela direita, abrimos o cofre, montamos o aparelho respiratório e já com a agulheta e mangueira de 25 ml na mão, recebemos indicações do Joseph: - o foco de incêndio está na dispensa, no final do corredor. E desapareceu de entre a escuridão do fumo.

Pela esquerda! - gritei ao meu segunda agulheta. Assim avançamos, com muito cuidado e com a parte externa da mão esquerda sempre a tocar na parece. A visibilidade era nula. O calor intenso. Finalmente depois de segundos de alguma tensão, as primeiras chamas. Mas algo estava mal – as chamas aparecem do lado direito. Uma descarga da agulheta e ficou o assunto arrumado. Continuamos a avançar. Alto! – Escadas do lado esquerdo. Vamos avançar – gritei ao T- Bone! Por segundo perdemos o contacto com a parede, a tensão aumentou, o ritmo cardíaco disparou, a visibilidade não melhorou, antes pelo contrário, e o calor tornava-se cada vez mais perigoso. As probabilidades de um backdraft aumentavam a cada segundo que passava. Havia que rapidamente encontrar uma saída para os gazes. Finalmente ouvimos as vozes da outra equipa. Eles estavam mesmo à minha frente mas não os via. Senti que tinha batido com o capacete em algo. Foi no Peter. Não consigo ver o foco de incêndio! - Grita ele. Ouvi então vidro a partir. O Joseph, pensei! Ouviu-se alguém a chamar. Segui a voz. Por momentos o fumo dispersou-se um pouco. De pouca dura, o alívio. Pois partimos uma janela interior, ou seja, fumo continuava no edifício. A visibilidade que tinha aumentado para meio metro, no máximo, voltava a ser nula. Voltamos à primeira forma.

O tempo escasseava. Havia que arranjar uma solução. Com duas equipas no edifício separadas, no ataque e ventilação, o combate teve ali o seu momento crítico. Uma decisão errada e o seguro de vida de quatro elementos teria que ser accionado. Mas a experiência, sangue frio e capacidade das equipas veio ao de cima e encontramos finalmente uma saída para os gazes.

Imagem retirada daqui.


A visibilidade melhorou aos poucos, ainda assim era muito má e não conseguimos ver mais do meio metro!

A prioridade passou a ser então o ataque. Tarefa complexa já que não encontrávamos o foco de incêndio. No espaço confinado da dispensa, só cabia um elemento e havia que retirar tudo o que estava lá dentro. A temperatura elevada manteve-se apesar da ventilação. Por fim conseguimos encontrar o tão almejado foco – na máquina de lavar roupa. Duas ou três descargas da mangueira de 25 ml e ficou o assunto resolvido.

Ouviu-se então o choro de uma criança, na rua. Já passou! - confortava a mãe. O que se passa, minha senhora? Perguntou C.O, que entretanto tinha chegado ao local. O miúdo tinha um cão que desapareceu. Então ficamos incumbidos da missão de encontrar o tal canídeo. Mas que animal era esse? De que raça! Grande pequeno, perigoso inofensivo? Com essas dúvidas caminhamos em direcção ao quintal. Passando mais uma vez pela cozinha, reparamos numa televisão, ou melhor o que restava dela, a parte superior tinha derretido, tal como uma vela – prova das altas temperaturas. O dia amanhecia o que facilitou a busca e passados alguns minutos entregamos o cachorro à criança – pelo menos conseguimos dar uma pequena alegria a alguém.

Arrefecidas as paredes, restava arrumar o material e rumar ao quartel.

Acomodado o saco-cama e com a autorização do Joseph, passei por casa só para tomar duche e tomar o pequeno-almoço, já que esperava-nos mais um dia de trabalho, esse sim remunerado.

6 comentários:

André disse...

Excelente descrição!

Por mais que se diga, não damos o devido valor aos soldados da paz.

A prova de coragem é dada no dia-a-dia e em cada verão com os fogos florestais.

Um bem haja a todos os bombeiros!

Anónimo disse...

Não é preciso dizer porque é que eu gosto dos Bombeiros, pois não?

Tá bem eu digo na mesma: POR CAUSA DO POSTE!

Anónimo disse...

Ai o que esses bombeiros fazem a salvar essa gente!
Fico muito chatiado quando os meus colegas ligam para lá só porque não conseguem chegar a casa! Já tou farto de avisar lá no sindicato que não se liga pro 112! só mesmo em emergencia!

Anónimo disse...

T- Boné, Joseph, Peter and Custody? In your fire department are there any Portuguese?

Thank you come again!

Jordão disse...

Caro Vitor é com muita pena minha que digo que no Quartel da Ribeira Grande não há poste! Pois é o antigo não tinha e esse como as camaratas estão no rés-do-chão, não havia necessidade de por lá o famoso poste.
Caro Ultra Copos do Barreiro (quando vem um vêm todos, desconfio que estou a falar para a mesma pessoa com vários heterónimos mas pronto!) vez muito bem em não ligar para o 112 – antigamente bebia-se muito e não se chamavam a PSP ou os Bombeiros, hoje em dia está um bêbedo a dormir lá têm que chamar a PSP que por sua vez chama o bombeiros e levam-no pro hospital! Os bêbedos só querem dormir e desde que não aja indícios de como alcoólico, de ferimentos e afins a melhor coisa a fazer é deixar dormir, se conseguir dar um pouco de açúcar e muita água e mais nada.
Caro Apu – são todos portugueses mas para não alarmar as mães, namoradas/os, esposas/os e afins não pus os verdadeiros nomes dos bombeiros! Ou acha que se elas/eles soubessem de tudo o que acontece numa noite de serviço iriam dormir descansadas?

Anónimo disse...

Lá está a adrenalina suspirada por muitos bombeiros. Espero nunca mais apanhar nenhum incêndio quando estiver de piquete. Ao contrário de muitos colegas bombeiros que sonham com incêndios. Mas para quem anseia muito por um incêndio, basta fazer piquete com o nosso amigo Eng.º terceirense. Quando ele está, acontece sempre algo... lol.