"Ó tu que e-fumas"
"É de noite e chove. Humphrey Bogart vê partir o avião onde viajam a Ingrid Bergman e o outro senhor que é muito digno e muito chato, como todos os senhores muito dignos. Bogart puxa uma última fumaça do seu cigarro e depois guarda-o no bolso, porque quando chegar a casa vai recarregar-lhe a bateria de lítio usando para tal um carregador de 220 volts ou um simples cabo USB. Fim.
Felizmente, esta cena nunca aconteceu. É verdade que Bogart perde a rapariga para sempre, mas esse acabou por ser um pequeno preço a pagar pelo benefício de conseguir mandar o chato para bem longe de Marrocos. Há momentos em que um homem tem de sacrificar a sua vida para bem da comunidade.
A diferença é que Bogart estava a fumar um tradicional cigarro de papel e tabaco, dos que causam habituação e instilam alcatrão e nicotina no organismo.
Não tinha um dos novos e-cigarros eletrónicos que a Organização Mundial de Saúde não sabe ainda se causam habituação e instilam alcatrão e nicotina no organismo. Não, Bogart nunca chupou um aparelho a pilhas no que se distingue, aliás, de boa parte dos atores de Hollywood. Mas nem a pressão dos pares o fez vacilar. Nunca acendeu um circuito eletrónico, nunca inalou microchips, nunca fumou um eletrodoméstico.
Morreu de cancro no esófago, claro, que os cigarros a sério não brincam, mas deixou a todos a certeza de que mais depressa fumava um computador de mesa do que um e-cigarro.
Embora não haja ainda a certeza de que o e-cigarro seja menos prejudicial à saúde do que o cigarro tradicional, a nossa sociedade parece indicar que, quando posta perante o nocivo e o ridículo, opta pelo ridículo. Trata-se de uma escolha deplorável.
Creio que a invenção do e-cigarro é, além disso, uma manifestação do ódio crescente que a nossa sociedade vem dedicando ao papel. Um cronista deve pronunciar-se regularmente sobre aspetos da nossa sociedade que escapam aos seus contemporâneos, e eu já não refletia sobre a nossa sociedade há alguns meses. Reparem: deixamos de comprar jornais em papel porque podemos lê-los no iPad e deixamos de comprar livros em papel porque podemos lê-los no iPad. Receio que a Apple esteja a trabalhar numa aplicação para limpar o rabo, para que possamos dispensar também definitivamente o papel higiénico. Não contem comigo. Humphrey Bogart nunca aproximaria um aparelho a pilhas do rabo no que se distinguia, aliás, de boa parte dos atores de Hollywood."
Tudo isso retirado daqui.
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