I rest my case #121

"Onde estavam todos?"

Por Daniel Oliveira


"É justo as SCUT serem pagas pelos seus utilizadores? No caso em que não haja nenhuma alternativa viável, não é justo. Porque estamos a punir quem vive nas regiões mais isoladas do País. Mas, para passageiros, essa alternativa não tem de ser exactamente igual. Nem sequer tem de ser rodoviária. Tem de garantir que o direito à mobilidade não pode estar em causa.

Em todos os restantes casos é injusto e irracional manter auto-estradas (ou vias que a ela se assemelham) gratuitas. Repare-se no absurdo: ninguém anda de borla em transportes colectivos. E não paga apenas o combustível e a viatura. Paga também as infra-estruturas. E todos sabemos que são as pessoas menos favorecidas que mais usam os transportes colectivos. É justo que elas contribuam através dos seus impostos para as deslocações dos que andam em transportes individuais? Claro que não.
Não é justo nem é racional. Para o País, quando comparado com o transporte individual, o transporte colectivo só tem benefícios: reduz a nossa dependência energética, é menos poluidor, cria menos problemas de tráfego, tem menos efeitos negativos no ordenamento do território, é melhor para a qualidade de vida nas cidades, é mais barato para o Estado… Ou seja, é absurdo que alguém pague para usar as linhas férreas e não pague para usar uma auto-estrada.

Mas aqui chegamos a outro ponto. Dirá o caro leitor, já irritado, que tudo isto é muito bonito, mas nos casos de que estamos a falar não há alternativas de transporte colectivo. E tem toda a razão. Só é pena que nós, enquanto comunidade, só agora pensemos nisso.

Na verdade, desde o governo de Cavaco Silva (continuando com António Guterres, Durão Barroso e José Sócrates) que não paramos de construir auto-estradas. Chegámos finalmente ao ponto em que temos, proporcionalmente à dimensão do território, a maior rede de auto-estradas da Europa. Nesse mesmo período foi desmantelada grande parte da rede ferroviária. Será, provavelmente, das mais pequenas da Europa. Em simultâneo, privatizou-se a Rodoviária Nacional sem qualquer contrapartida de serviço público. E deixou-se a rede rodoviária secundária ao abandono. Ou seja, não sobraram alternativas para podermos prescindir de muitas das auto-estradas e do uso permanente do transporte individual. A prometida privatização da CP apenas agravará este problema, deixando as zonas menos rendíveis ainda mais abandonadas e ainda mais dependentes dos carros.

Dirá o cidadão que tenho razão e que essa é a responsabilidade de quem agora quer cobrar o que prometeu vir a ser gratuito. Discordo. A responsabilidade também é nossa.

Onde estavam muitos dos cidadãos que agora se revoltam quando se acabou com o passe social único em Lisboa? Onde estavam quando se fecharam, uma a uma, estações de comboio e linhas ferroviárias no interior? Onde estavam quando se privatizou a Rodoviária Nacional?

Eu digo onde estava a maioria: fascinada com esse sinal exterior de abundância que era o carro para todos e para tudo. Fascinada e exigindo mais e mais auto-estradas, prescindido sem um “ai!” das linhas de comboio. Indiferente aos problemas de parte da população – os velhos, os pobres e as crianças dos pobres – que não tinha acesso a esse maravilhoso mundo novo e que via o seu direito à mobilidade reduzido ao mínimo ou a nada.

Onde estavam os autarcas do Interior, que agora se revoltam, quando tudo isto aconteceu? A vender às populações a ideia de que bastava uma tira de alcatrão para garantir o desenvolvimento local e que a linha de comboio que encerrava podia ir embora porque não era viável.

Onde estavam os eleitores quando a destruição do transporte colectivo e muito em especial da ferrovia aconteceu? Convencidos que os que levavam a cabo este crime lhes traziam o desenvolvimento. E a premiá-los por isso.

Não é só passado: onde está o grito de revolta contra o encerramento criminoso da linha do Tua e de tantas estações e apeadeiros por esse país fora? À espera que uma nova auto-estrada chegue com políticos satisfeitos e autarcas orgulhosos para a inaugurar.

Resumindo: a promoção do transporte individual e a destruição do transporte colectivo foi errada, irracional e prova-se agora que era economicamente insustentável. Mas não seria justo dizer que não foi uma opção com um largo apoio popular. Tudo o que se faça agora serve para remediar. Os que lutam contra as portagens nas SCUT terão a minha solidariedade. Mas, para serem coerentes, têm de exigir uma linha de comboio, um paragem de autocarro, uma carreira de um transporte rodoviário como alternativa. Até lá, o que pedem é a continuação de um erro."

Retirado daqui.

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