"Ser português não é bem uma condição, é uma habilidade circense. E das difíceis. O trapezista, no circo, balouça-se de cabeça para baixo e grita "Agora sem mãos!", o que não deixa de ser admirável, mas ser português também é um número arriscado: "Agora sem emprego!", gritam uns. "Agora sem saúde!", gritam outros, depois do fecho das urgências. "Agora sem dinheiro!", gritam quase todos desde que o Governo começou a tomar as chamadas medidas de austeridade. Primeiro, com o PEC, foi preciso apertar o cinto. Neste momento, com os novos aumentos de impostos, parece ser tempo de Portugal apertar o cordel. Os mendigos não usam cinto. Passam uma guita pelas presilhas e dão um nó à frente. Creio que o que estamos a apertar agora é essa guita - ironicamente, por falta de guita.
Apesar de tudo, a notícia de que o Governo iria aumentar os impostos sobre o rendimento deveria ter agradado aos portugueses: muitos deles não sabiam que ainda tinham rendimentos para taxar. Poderia ter sido uma agradável surpresa. Infelizmente, o povo português é difícil de contentar. Há uns anos, a palavra de ordem era "Basta de salários de miséria!" Agora é "Deixem os nossos salários de miséria como estão!" Ora não querem salários de miséria, ora recusam que se lhes mexa neles. Vá lá uma pessoa compreender este povo.
Que fazer, amigo leitor? De que modo podemos salvar o País da falência? Sobre isso, tenho a mesma opinião que o ministro das Finanças: não faço a mínima ideia. Mas tenho uma sugestão que gostaria de apresentar. O País não está bem, isso é certo. Com mais de 800 anos, também já não vai para novo. E há mais de 500 que não consegue fazer nada especialmente digno de nota. Enquanto país uno e indivisível, não parece ter grande futuro. Mas, que diabo, não haverá ninguém que queira isto para peças? Como se faz com a sucata: a unidade funciona mal, mas há duas ou três fracções que ainda podem ter serventia - e valer dinheiro. Tendo em conta o papel proeminente que alguns sucateiros têm na nossa sociedade, não poderíamos aproveitar a sua sabedoria no que toca a desmembrar coisas para as rentabilizar? Os espanhóis hão-de estar interessados no Minho e em Trás-os-Montes. Os holandeses, ao que parece, gostam muito do Alentejo. No fundo, não seria muito diferente do que fizemos com o Algarve e os ingleses. É só uma ideia. E talvez seja absurda, admito. Pelo menos, não tem aquela qualidade que costuma caracterizar as medidas que realmente salvaguardam o interesse e o futuro do País: não vai ao bolso dos contribuintes."
Retirado da Visão de hoje.
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