O bailout à banca alemã by Daniel Oliveira
"A exposição da alemã e francesa aos países do sul da Europa cresceu muito desde o início deste século. Sendo os bancos das duas potências os principais credores dos Estados e das instituições financeiras dos países do Sul, é natural que a garantia de cumprimento do pagamento das dívidas – e não a saúde económica da Europa – seja o alfa e o ómega da União.
Os cálculos sobre a exposição dos bancos do centro em relação à periferia (quantidade de crédito concedido) são normalmente baseados nos dados do BIS (Bank of International Settlements). Diz-nos o Financial Times que estes dados podem estar subvalorizados.
Os detentores dos títulos das dívidas dos Estados protegem-se dos riscos de incumprimento através de contratos de CDS (Credit Default Swap, uma espécie de seguro). Compram protecção e em troca pagam em função do rendimento que título da dívida lhes dá (a taxa de juro paga pelo Estado) e o nível de risco de não pagamento. Se, por exemplo, o Estado português ou espanhol não pagar, o vendedor de CDS terá de compensar o banco alemão ou francês que comprou títulos destas dívidas.
É através das apostas no risco medido pelos contratos de CDS (e do mercado secundário de títulos da dívida, em que estes são revendidos a preços mais baixos, levando ao aumento dos juros a que, na próxima emissão de títulos, os Estados estarão sujeitos por pressão do mercado) que se faz a especulação. Sobretudo em mercados pequenos (como o grego), onde os preços podem ser mais facilmente manipulados pelas apostas de uma mão cheia de hedge-funds.
Ao que parece, segundo o Finacial Times , os bancos têm mais dívida do sul do que admitem. Se perderem dinheiro nestes créditos, mesmo que marginalmente, pode nascer daqui um novo colapso financeiro. Se houver incumprimento da Grécia, de Portugal e de Espanha instala-se o caos nos mercados financeiros. E foi para salvar a banca francesa e alemã deste risco, e não os países do Sul, que nasceu o empréstimo europeu.
Dirão: mas essa dívida está segura pelos tais CDS. Certo? Não. Porque os CDS cobrem o risco de não pagamento, mas, mais uma vez segundo o Financial Times, podem não cobrir reestruturações da dívida, que seria a coisa mais sensata a fazer neste momento. Se, sobretudo a Grécia, mas também Portugal ou Espanha, decidissem, como seria normal (e qualquer particular ou empresa faz) renegociar o pagamento da dívida (pagando, por exemplo, apenas parte dela, como já fez a Argentina, ou reescalonando os pagamentos) o contrato de CDS pode não ser activado, já que não se verificou incumprimento total. Os bancos perderiam parte do valor dos seus títulos sem receber nenhuma compensação por essas perdas.
Mesmo no caso dos CDS serem activados, ainda que os bancos estivessem protegidos, os vendedores dos CDS não estariam. Aconteceria o mesmo a que assistimos com a AIG: quando a Lehman Brothers faliu, a AIG, que tinha contratos de CDS sobre os créditos suprime, entrou em falência . Foi, como se lembram, para evitar o colapso do sistema financeiro que a AIG foi nacionalizada.
Conclusão: quando nos dizem que nos portámos mal, que os desgraçados dos alemães nos estão a salvar a pele e que um dia destes os rapazes perdem a paciência, desconfio. A Alemanha está a salvar a banca alemã dos seus próprios jogos financeiros. Nós somos apenas os cordeiros. Ou seja, estamos no centro de um jogo perigoso em que, mais uma vez, quem lucra com o risco faz depender as nossas vidas de frágeis castelos de cartas.
Há dois anos todos prometeram que iriam impedir que isto voltasse a acontecer. Nada foi feito. E desta vez já não se fazem promessas. Convence-se os povos que a culpa desta tragédia é deles."
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