"Para a União Nacional dos comentadores e economistas do bloco central são estes os responsáveis pelo estado em que estamos: os funcionários públicos; os trabalhadores supostamente protegidos pelas nossas leis laborais; os cidadãos em geral, que vivem endividados e acima das suas possibilidades; o excesso de peso do Estado; e o excesso de impostos para a classe média-alta.
Repare o leitor que entre os responsáveis nunca está a banca, que além de nos ter enfiado nesta crise e ter sido salva pelos nossos impostos ainda paga menos ao fisco que todas as restantes empresas. Nunca está a elite económica constituída por meia dúzia de famílias que têm o Estado como refém dos seus negócios e os partidos como reféns da sua vontade. Nunca estão dos gestores mais bem pagos da Europa no País com o salário médio mais baixos da Europa.
Repare o leitor que por uma qualquer coincidência nunca estão, entre os responsáveis pelo estado em que estamos, quem realmente tem poder neste País. Não espanta. É muito radical ser “politicamente incorrecto”. Mas é preciso olhar bem para o chão que se pisa. Não consta que com a simpatia de funcionários públicos, professores, sindicalistas, desempregados, beneficiários do Rendimento Social de Inserção ou trabalhadores menos abonados se arranjem e se mantenham bons empregos. Há que dizer e escrever coisas chocantes, mas sem chocar as pessoas erradas.
E é esta União Nacional que pede sangue mas convenientemente se esquece de quem conta, que ataca todos os “interesses instalados” menos os interesses que fazem e desfazem boas carreiras, que repete frases feitas até que a “arraia-miúda” se convença que a culpa desta crise é sua.
Por esse Mundo fora discute-se o papel das instituições financeiras na crise que vivemos. A cegueira de uma Europa medíocre e paralisada. Os perigos para as democracias de um capitalismo financeiro omnipresente e omnipotente. A disparidade de exigências de rigor orçamental aos países da periferia e aos que estão no centro de decisão da Europa. O suicídio económico a que os países europeus mais pobres estão a ser obrigados.
No debate doméstico tudo isto está praticamente fora da agenda. Faz-se, quase sem vozes dissonantes, a pedagogia do sacrifício. No país mais desigual da Europa há que convencer os que têm pouco a pagar esta crise. Para que o resto possa ficar na mesma. E não faltam “corajosos” a oferecerem-se para o serviço e para dizerem “o que tem de ser dito”. Com o máximo de violência possível. Sem maneiras nem rodriguinhos, que isto agora só lá vai com a afronta mais descarada a qualquer noção de justiça social.
É fundamental, para sairmos desta crise sem que os verdadeiros privilegiados deste País sejam beliscados, convencer os portugueses a aceitar tudo sem tossir nem mugir. Como explicou o ministro das Finanças à Bloomberg, não temos a tradição de criar problemas. Podem descansar os mercados, comemos e calamos sem grande alarido.
E, como bónus, os opinadores do resgime ainda vão conseguir virar os principais beneficiários do Estado Social contra a escola pública e gratuita, o Serviço Nacional de Saúde universal e para todos, as reformas e as prestações sociais. Fazê-los acreditar que, apesar de serem os mais pobres da Europa, vivem acima das suas possibilidades. Para que alguns possam continuar a viver em cima das nossas possibilidades.
É um trabalho sujo, mas alguém tem de o fazer. E está a resultar.
Se acha que exagero, faça um zaping pelos canais de notícias. Depois folheie os jornais e leia os espaços de opinião. Leia os jornais económicos. Passeie pelas edições online dos principais órgãos de comunicação social. Esqueça o PS, o PSD, Sócrates e Passos Coelho. Esqueça os pequenos episódios com gestores públicos, empresários ou políticos de segunda. É espuma dos dias. Olhe para os poderes que antes deles já cá estavam e depois deles cá continuarão. Aquela meia dúzia de pessoas que manda neste País e o mantém no seu atraso.
Se encontrar, na análise desta crise, na denúncia dos seus responsáveis e nas receitas para sair dela, algum equilíbrio de opiniões, ficam aqui as minhas desculpas. Se, pelo contrario, confirmar o que aqui escrevo, perceba que o poder do privilégio faz sempre por manter o privilégio. Sobretudo quando a crise aperta. E que a opinião é, na “mediocracia” em que vivemos, uma arma que ele não dispensa."
Mais um excelente texto retirado do Arrastão.
Sem comentários:
Enviar um comentário