Sabe bem ter vizinhos destes - Porto das Pipas

"Comparações e aparências… (crónica)"

"A sociedade em que vivemos, bem mais do que nos contrastes, assume cada vez mais uma proporção gritante nas comparações. Tudo se compara, entre todos e sobre todos. Numa realidade crescentemente consumista, e numa toada de hábitos fortemente fútil e incentivada pelos poderes instalados, compara-se a marca do carro, compara-se a marca do relógio, comparam-se as fugas ao fisco, comparam-se as influências juntos das instâncias de decisão, comparam-se as férias, comparam-se os computadores portáteis, os telemóveis, as camisas e demais acessórios e, apenas pela acessibilidade limitada por sigilo bancário, ainda não se comparam directamente os ordenados e “luvas” com o extracto na mão…mas para lá se caminha. Em suma, a crise de valores vem levando a estas consequências, tão corriqueiras quanto graves, sendo que em cada período de reflexão – como o que atravessamos e onde se vai mitigando o pecadilho continuo com o cumprimento de rituais de família… - todos caem numa comiseração geral, onde infelizmente cada vez mais se confundem a sinceridade e o amor com o fogo de vista da mediatização de esquina. Sim, porque a cada esquina somos agora confrontados com a imediata transacção de atitudes e presenças, tudo se sabe à velocidade de um foguete, tudo se comenta à voracidade de um esfomeado, enfim – e como encima este breve desabafo… – tudo se compara à luz do que se vai nomeando como princípios de base para a vida comum, se é que essas coisas ainda valem algum.

Mais do que relevar sentimentos que se podem e devem estender pelos doze meses do ano, e sem aqui comparar a maior ou menor disponibilidade que cada qual tem para os utilizar naturalmente, vejo-me confrontado amiúde com realidades duras, com visões assustadoras do que são vidas perdidas, com um rol de coisas a que bem podia virar a cara e o coração, afinal só nos angustiam e nem as podemos resolver. E essa é a posição comodista que cada vez mais se generaliza, deixando os mais velhos a terminar os dias em solidão, não promovendo princípios morais entre os mais desfavorecidos - mas apenas fiando no material o que os poderá guiar -, não partilhando um sorriso ou um simples cumprimento a quem dele precisa. Somos cada vez mais apenas nós mesmos, as vidas viraram-se para dentro e as espantosas capacidades globais de comunicar resultam irremediavelmente numa carapaça individual em que cada um pensa cada mais em si próprio. E a tendência é para que tal fenómeno cresça.

Não sendo adepto fervoroso dos rituais instalados, confesso que me confunde as ideias a negação do altruísmo a que assistimos a cada 24 horas, as tais em que se comparam feitos menores e se desvalorizam dádivas tão simples como uma palavra de carinho ou um afago a quem dele necessita. Mesmo se para tal não estivermos naturalmente talhados. Boa Páscoa e que se aproveitem estes dias também para pensar. Afinal, e comparativamente, parece que há quem pense demais e pouco faça. Pelo menos aparentemente…"

Retirado do nosso vizinho Porto das Pipas.

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