Candilhes com Letras - Novas Crónicas da Boca do Inferno



Na primeira edição Ricardo Araújo Pereira estava encarnado. Na segunda, essa agora, está de verde. Para a próxima estará de azul?!

“Um livro no qual a mais fina ironia e o humor requintado se juntam e resolvem não entrar.”

Depois de uma definição dessa, feita pelo próprio autor, pouco mais há a dizer. A não ser que sábado, 12 de Dezembro, na livraria Sol-Mar e talvez, depois, um pouco por toda a ilha, Ricardo Araújo Pereira irá distribuir autógrafos, sorrisos, uma ou outra gargalhada e muito boa disposição. Da mesma forma que espalha todas as quintas-feiras na revista Visão.

São 264 páginas e muitas crónicas reunidas, escritas de uma forma muito simples, com uma outra palavra a pedir a ajuda do dicionário, do melhor humor e de muita inspiração. Eis uma das nossas preferidas:


“Câmara municipal da lâmpada roxa”


“O fenómeno mais interessante da política local é a atracção que os arguidos têm pelas autarquias. As autarquias estão para os arguidos como aquelas lâmpadas roxas dos restaurantes estão para as moscas. Sem pretender ser ofensivo para as moscas, a verdade é que o mecanismo é extremamente parecido. Só não é igual porque, ao passo que as moscas falecem quando tocam na lâmpada, os arguidos ganham nova vida assim que entram na Câmara Municipal.

Não sei se o leitor tem conhecimento disto, mas o termo autarquia provém de duas palavras gregas que são muito difíceis de pronunciar. Este é um primeiro ponto curioso. O segundo ponto é que essas palavras significam "comando de si mesmo", ou "governo de si mesmo". Na origem, esse significado indica que uma autarquia é o governo que determinada localidade exerce sobre si mesma. No entanto, alguns autarcas fazem uma interpretação ligeiramente diferente, mas que não pode deixar de se aceitar: na expressão "governo de si mesmo", aquele "si mesmo" é o autarca. É ele que, no sábio jargão dos taxistas, se governa. E assim se regista um ponto de contacto entre a etimologia grega e os modernos motoristas de táxi, ligação que sempre suspeitei que existia.

A candidatura autárquica é o equivalente, nos jogos de vídeo, às vidas infinitas. Não há estrago da vida pessoal do candidato que não possa ser resolvido com uma candidatura autárquica. Penas de prisão, desemprego na família, despesas com obras: não há mal que uma candidatura autárquica não adie ou resolva. Sobretudo devido ao prurido democrático que a maior parte dos eleitores tem em votar num autarca que não seja arguido. Se vivesse em Portugal, Al Capone nunca teria sido preso. Em princípio, seria presidente de Câmara. Os cidadãos não hesitariam em votar num homem que, sendo famoso, tinha, além disso, demonstrado saber criar emprego em várias áreas de negócio, com especial destaque para as tão apreciadas pequenas e médias empresas. Desde as cimenteiras até às agências funerárias, quase não há indústria que não tenha beneficiado das actividades de Al Capone. Não duvido de que daria um excelente candidato autárquico em Portugal, numa primeira fase apoiado por um partido e, quando desse muito nas vistas, como independente. A única reserva que coloco ao sucesso de Al Capone na política autárquica portuguesa é a consciência do conhecido gangster americano. Poderia dar-se o caso de Capone ficar inibido com tanta vigarice e desejar voltar para Chicago.”

Sem comentários: